COLESTEROL EM DISCUSSÃO

 In Blog, Saúde, Naturopatia e Tratamentos

Há uns sessenta anos, parte da ciência, principalmente daquela que estuda os fatores de risco das doenças crônicas, recebeu muitos elogios. Cientistas americanos ligados ao ramo alardearam ao mundo, com o apoio integral e irrestrito dos meios de comunicação, dos governos e das indústrias farmacêuticas e alimentícias, que haviam descoberto o principal fator de risco das doenças cardiovasculares. E isso era um feito extraordinário, pois as doenças cardiovasculares eram a principal causa de mortes no mundo, como um todo.

Os assassinos foram desmascarados e expostos à execração pública: eram as gorduras saturadas e o colesterol, representados principalmente pela manteiga, queijos gordurosos, ovos, carnes gordas, banha de porco e afins.

À época eu, nos anos finais do curso de medicina, aprendi a conviver com a nova moda: “quanto está o seu colesterol”? Esta palavra tornou-se tão popular quanto Roberto Carlos, Pelé, Elvis Presley, Frank Sinatra, Brigitte Bardot e outros famosos daquele tempo.

Os exames laboratoriais para a medida do colesterol e dos triglicérides tornaram-se populares; surgiu o conceito de colesterol ‘bom’ (o HDL) e do colesterol ‘mau’ (o LDL). O eixo da vida de muitas pessoas passou a girar em torno do colesterol; se ele estava nos níveis considerados normais, a pessoa estava bem; caso contrário… O resto, pouco importava.

Por falar nisso, naquela época conheci um senhor, já idoso, que enviuvou. Foi acometido por uma ansiedade incontrolável para casar-se novamente, de preferência com uma mulher jovem. E dizia a todos que o quisessem ouvir: “É claro que eu posso me casar. O meu colesterol está normal”.

A indústria farmacêutica veio em socorro da população infeliz, ou seja, daquela que tinha o colesterol alto. Medicamentos começaram a ser lançados no mercado para baixar o famigerado colesterol. As gorduras, manteigas, foram expulsas das mesas; médicos saíram fazendo conferências sobre a nova moda salvadora. A indústria dos alimentos também veio em socorro à nossa combalida saúde, lançando no mercado óleos vegetais ‘saudáveis’ como o de canola, de milho, de soja e outros. Também começou a lançar no mercado dezenas de alimentos tidos como saudáveis, desde aqueles recomendados para o café da manhã até aqueles lanchinhos que alguns fazem antes de deitar-se. Tudo sem gorduras saturadas e com baixos teores de colesterol. Uma maravilha! Tudo sob a proteção e o incentivo governamentais. A medicina, a indústria farmacêutica e de alimentos e os governos uniam-se fortemente para colaborar para que tivéssemos uma saúde perfeita, para que os infartos, os derrames, a obesidade, a pressão alta, sumissem de nossas vidas e fossem coisas de um passado remoto.

Tudo isso se iniciou nos Estados Unidos. Quando uma moda vem de um país considerado importante acaba influenciando quase o mundo inteiro. E os Estados Unidos até hoje é considerado um país importante. Ali existem grandes verbas para pesquisa, o que explica a situação que estamos analisando. Mas, como disse um economista tupiniquim já falecido e ex-ministro, “o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”. Em outros países, muitos profissionais esclarecidos deviam pensar o mesmo, tanto é que, alegremente, vários desses países – e entre esses o nosso – aderiram de bom grado às descobertas revolucionárias e a tudo que elas propunham para combater o colesterol. E um novo estilo de vida começou a se delinear.

Passamos, deslumbrados, para a época das margarinas cremosas, dos óleos vegetais ‘saudáveis’ de canola, milho, soja, das bolachas, biscoitos e outras guloseimas sem ou com baixo colesterol e gorduras trans, os medicamentos milagrosos que faziam baixar o colesterol. A felicidade batia à porta de todos.

 

Mesmo quando os primeiros estudos imputando os altos níveis de colesterol e de gorduras saturadas como os responsáveis pelas doenças cardiovasculares apareceram, foram vários os cientistas que mostraram dúvidas em relação aos resultados desses estudos. Eram estudos com muitas falhas, sendo, na maioria das vezes, inconclusivos. Em muitos casos, os dados das pesquisas eram simplesmente manipulados para mostrarem aquilo que o cientista queria mostrar. No entanto, tais estudos, mesmo falhos, inconclusivos e manipulados, foram aceitos por muitos cientistas e pelos órgãos governamentais americanos como altamente conclusivos: não havia – para eles – dúvidas: o colesterol e as gorduras saturadas eram os responsáveis pelos altos índices de morbi/mortalidade das doenças cardiovasculares. Drogas anticolesterol começaram a aparecer rapidamente e as indústrias farmacêuticas acharam um novo filão de lucros aparentemente eternos.

 

Entretanto, estudos bem conduzidos, antes de surgir essa moda do colesterol, mostravam que os fatores de risco das doenças cardiovasculares eram outros.

Um desses estudos é conhecido como Estudo da Saúde das Enfermeiras (dezembro de 1970), conduzido por cientistas da Universidade de Harvard e que estudou, durante anos, 120 mil mulheres com o objetivo de determinar os fatores de risco do câncer e das doenças cardiovasculares. Escreveram os autores desse estudo: “82% das ocorrências coronarianas do estudo {…} podiam ser atribuídos à falta de adesão a esses cinco fatores.”

Quais eram esses fatores? Vejamos:

  1. Não fumar;
  2. Beber com moderação;
  3. Exercícios, pelo menos moderados, meia hora por dia;
  4. Manter o peso dentro dos valores normais (índice de massa corporal < 25) e
  5. Alimentação saudável, baixa em açúcar, com muitas gorduras omega-3 e fibras.

Como se vê, o colesterol nem é mencionado. Estudos como esses, bem conduzidos, foram ignorados, pois se formou uma associação imensamente poderosa: cientistas de má-fé e também de boa-fé interessados em baixar o colesterol, a indústria farmacêutica e a indústria de alimentos interessadas em vender seus produtos e darem lucros aos acionistas e os órgãos governamentais responsáveis pelas políticas de saúde às populações. É oportuno acrescentar que esses órgãos governamentais frequentemente tinham membros que apresentavam vínculos com as indústrias farmacêuticas e de alimentos.

Criou-se um rolo compressor que triturava tudo que era contrário à política de se baixar o colesterol. Cientistas honestos e competentes passaram a ser perseguidos ou, no mínimo, ignorados por esse cartel.

No entanto, sabe-se que, na época, era cada vez maior o clamor público contra o consumo de açúcar, pois os cientistas mostravam que o grande aumento das doenças crônicas e dentre elas as doenças cardiovasculares, estavam relacionadas ao consumo exagerado de açúcar, que só aumentava entre a população.

A indústria açucareira – poderosa nos Estados Unidos – começou a se preocupar com isso e, em conluio com cientistas de boa ou má-fé (muitos pagos por essas indústrias) foram atrás de um bode expiatório, para desviar a atenção sobre o açúcar. E o encontraram nas gorduras e no colesterol. O foco do açúcar foi parcialmente desviado.

Hoje esses fatos, cada vez com maiores detalhes, estão sendo revelados.  Sempre houve cientistas que se manifestaram contra essas teorias e denunciaram esses esquemas, mas eram pouco divulgados, ridicularizados e mesmo perseguidos, perdendo os seus empregos. Hoje estão sendo levados a sério e muitos outros estudos atuais estão surgindo, expondo a farsa. Um desses livros é O mito do colesterol,(1) dos doutores Jonny Bowder e Stephen Sinatra, no qual muito do que estamos escrevendo aqui se baseia.

O doutor Sinatra dá um depoimento bastante ilustrativo. Como cardiologista, logo que essas teorias imputando o colesterol como o principal fator de risco das doenças cardíacas apareceram, ele se entusiasmou por elas. Foi contratado por um laboratório farmacêutico para fazer conferências sobre o assunto e promover os medicamentos que ela fabricava para baixar o colesterol. Diz que era muito bem remunerado pelo laboratório (o doutor Sinatra era um camelô da indústria farmacêutica, como poderíamos dizer). Como cardiologista, começou a ver que aquilo que se dizia sobre o colesterol e a sua influência nas doenças cardiovasculares não combinava com aquilo que ele via na sua prática médica. Começou a notar os efeitos colaterais dos medicamentos – estatinas – usados para baixar o colesterol e que eram ignorados. Como cientista honesto e bem intencionado, foi estudar melhor o assunto e o resultado é o livro que citamos, desmistificando o colesterol; deixou o laboratório farmacêutico e a grande quantidade de dólares que ele lhe pagava.

A propósito da relação entre cientistas e indústria farmacêutica e/ou de equipamentos, acabo de ler uma matéria que vem bem a calhar. Josep Baselga é um famoso oncologista barcelonês que era diretor médico do hospital Memorial Sloan Kettering em Nova Iorque. Foi denunciado pela Ong ProPublica e pelo The New York Times por ocultar o recebimento de milhões de dólares de empresas farmacêuticas nos artigos científicos que publicou desde 2013. A denúncia diz que, dos quase 170 artigos que publicou desde então, quase 100 tinham vínculos com a indústria farmacêutica e de equipamentos médicos e isso não foi declarado. Isso é de suma importância na credibilidade desses artigos. É lógico acreditar que um cientista ligado às indústrias farmacêuticas e de equipamentos médicos tem grande interesse em promover os produtos dessas empresas conflitando com a promoção do bem-estar dos pacientes. O escândalo fez com que o doutor Baselga se demitisse do cargo.

Diz ainda a notícia que li:

“No domingo, a direção do hospital pôs-se em contato com todo o pessoal para exigir um maior esforço na hora de declarar seus laços com o setor farmacêutico, frequentes por causa da constante interação entre os médicos e as empresas de investigação. ‘A questão de transparência é séria’, advertiram, segundo o ProPublico”(2)

Para que se avalie a extensão dos interesses envolvidos, basta saber que Baselga é membro do conselho de administração de um grande laboratório farmacêutico e diretor de uma indústria de aparelhos de radiação que vende seus produtos ao hospital.

O oncologista – como negar os fatos é impossível – diz que não agiu por má-fé; talvez, por esquecimento. Acredite, se puder.

 

Muitas coisas mudaram em relação às gorduras e ao colesterol. A classificação entre colesterol bom (HDL) e mau (LDL) não mais se aplica. Como explicam os autores do livro, o chamado mau colesterol (LDL) tem dois componentes: o A e o B. O LDL-A é benéfico; o LDL-B só não é bom quando se oxida e isso tem muito a ver com a alimentação, com o estilo de vida que a pessoa leva e grau de estresse que a pessoa vive.

Os valores de triglicérides e de colesterol que normalmente se obtém pelos exames laboratoriais devem ser vistos de acordo com a proporção que há entre eles. Assim, em linhas gerais, sem entrar em detalhes, os autores recomendam dividir a dosagem de triglicérides pela quantidade de colesterol HDL obtida. Por exemplo: 150mg/dl de triglicérides divididos por 50mg/dl de HDL dá 3. Segundo Browder & Sinatra esses valores somente são problemáticos se forem superiores a 5.

Os autores apresentam uma tabela onde evidenciam a relação das doenças cardíacas e o colesterol, conforme os conhecimentos atuais sobre a matéria. A ‘escola antiga’ diz: “Os altos níveis de colesterol são um importante fator de risco para as doenças cardíacas porque o colesterol se acumula nas artérias, inibindo o fluxo sanguíneo do coração”. Segundo os conhecimentos atuais, que eles chamam de ‘nova escola’, a situação é outra: “O colesterol desempenha um papel relativamente menor nas doenças cardíacas e não é um bom previsor de infartos. Mais da metade das pessoas hospitalizadas por infartos apresenta níveis de colesterol perfeitamente normais”.

Em outro trecho, os autores dizem que o colesterol que se consome tem efeito mínimo sobre os níveis sanguíneos.

Tudo isto é explicado com muitos detalhes baseado em pesquisas confiáveis e em ampla bibliografia. Os autores analisam o metabolismo do colesterol, das gorduras e suas relações com os hormônios, principalmente a insulina e o glucagon, que tem ação oposta à da insulina. Acreditamos que não é prudente entrarmos nesse assunto especializado, pois o presente artigo é de simples divulgação e de maneira alguma escrito para especialistas na área.

 

O colesterol é uma matéria-prima fundamental para o corpo. Participa da formação de todas as células do organismo. Participa da formação da vitamina D, dos ácidos biliares, dos hormônios sexuais e tem íntima relação com o sistema imunológico, além de outras funções. Quando os seus teores estão baixos por pouca ingestão ou pelo uso de medicamentos (as chamadas estatinas) para baixá-lo, a formação das substâncias acima é prejudicada e o metabolismo do corpo é alterado. Baixos níveis de colesterol no sangue (< ou = 160mg/dl) estão associados a muitas doenças e condições patológicas como: depressão, hemorragia cerebral, diminuição do desejo sexual, câncer, suicídio, amnésia, debilitação do sistema imunológico.

Como dissemos, o verdadeiro vilão das doenças cardiovasculares e praticamente de todas as doenças crônicas não transmissíveis está relacionado ao consumo de açúcar e não de gorduras. Têm também   íntima relação com as doenças crônicas, como sabemos, a ingestão de alimentos industrializados, o estresse e a vida sedentária.

Cientistas têm observado, há muito, que conforme o consumo de açúcar aumenta em uma população, a incidência de doenças cardiovasculares e outras doenças crônicas aumenta em igual proporção. Com toda essa campanha para se baixar o colesterol, as doenças cardiovasculares continuam a ser a principal causa de óbitos no mundo, de um modo geral.

Falamos do açúcar de mesa – que não o usamos somente para adoçar o nosso cafezinho. Ele está presente na maioria dos produtos industrializados, frequentemente em associação com gorduras trans e excesso de sal. Está presente nos refrigerantes, cervejas, sucos de frutas de caixinha, iogurtes, molhos, somente para citar uns poucos produtos de grande consumo.

O açúcar de mesa é a sacarose. Quando o ingerimos, ela se desdobra em 50% de glicose e 50% de frutose. Essas moléculas são assim absorvidas pelo intestino. A insulina se encarrega de transportar a glicose às células para ser metabolizada e fornecer energia às atividades corporais. O excesso é armazenado na forma de glicogênio ou então transformado em gordura, que vai se acumulando pelo corpo.

Se a ingestão de açúcar é contínua e exagerada, o pâncreas, que fabrica a insulina, não consegue produzi-la o suficiente para uma demanda tão grande, havendo excesso de glicose no sangue, caminho aberto para que surjam o diabetes tipo II, a obesidade, as doenças cardiovasculares e outras doenças crônicas.

A frutose do açúcar é considerada mais danosa ao corpo do que a glicose. Ela vai diretamente para o fígado e é metabolizada como gordura, sendo responsável por um quadro cada vez mais na moda, que é a esteatose hepática, o tão falado “fígado gordo”.

Muito usado atualmente nas bebidas e na indústria alimentícia é o xarope de milho, que tem 55% de frutose, enquanto que a frutose originada da sacarose tem, como vimos, 50%. Mas esses 5% fazem muita diferença, pois o poder inflamatório da frutose é sete vezes maior que da glicose, levando à inflamação generalizada do organismo. Como se sabe, a inflamação está por trás de todas as doenças crônicas e é responsável pelo envelhecimento.

Não devemos confundir a frutose das frutas com essa frutose que vimos falando. A frutose das frutas faz parte de um todo completo. Na fruta existem vitaminas, sais minerais, enzimas, água estruturada e outras substâncias que fazem com que a digestão e a metabolização da frutose sejam harmoniosas. A frutose do açúcar industrializado é uma substância química, pura, reconhecida pelo organismo como corpo estranho.

A frutose também está associada ao aumento de ácido úrico no sangue e o aparecimento de doenças como a gota e as artrites e reumatismos, de um modo geral.

Um cientista, Robert Lusting, disse: “Quando você consome frutose, não está consumindo carboidratos. Está consumindo gordura”.

Que não fiquem dúvidas: refere-se ao consumo da frutose oriunda do açúcar e do xarope de milho.

 

Um alto consumo de açúcar e um baixo consumo de gorduras estão associados ao aumento das doenças cardíacas, do diabetes tipo II, da obesidade e da hipertensão arterial. O açúcar, como se vê, é o a ligação entre essas doenças.

 

Um parêntesis: a questão das margarinas, dos óleos vegetais e das gorduras trans merece toda uma discussão. No entanto, não faremos isso agora.

 

Os autores que escrevem sobre esse tema sempre dizem que os médicos, nutricionistas e outros profissionais de saúde ainda permanecem presos às ideias antigas, prescrevendo dietas pobres em gorduras e colesterol e receitando estatinas, ignorando seus múltiplos efeitos colaterais. Uma rápida espiada na internet corrobora esse fato, de um modo geral, embora haja exceções.

São esses profissionais culpados por tratarem seus pacientes de acordo com o que os laboratórios farmacêuticos e as indústrias de alimentos desejam, para aumentarem seus lucros?

 

Quando eu era um estudante de medicina tinha um colega que, a cada vez que ia visitar seus pais, vinha contando histórias de sua mãe, que sempre lhe perguntava:

­_Fulano, quanto tempo falta pra você se formar?

Ele dizia e a coisa ficava por aí. Na visita seguinte, tudo se repetia, até que um dia ele perguntou:

_Por que, mãe, a senhora sempre me pergunta isso?

_Porque aí você não vai precisar estudar mais. Estudar muito não é bom!

Depois de formado este meu colega foi ser docente em uma escola de medicina. Um dia encontrei-o, perguntei sobre sua mãe e ele me disse, rindo:

_Outro dia foi me visitar. Quando me viu sentado à minha mesa, consultando uns livros, perguntou:

_Fulano, o que você está fazendo?

_Estou preparando uma aula que vou dar amanhã.

A mãe levou um choque.

_Preparando aula como? Você já é formado, já sabe tudo! Deixa isso pra lá e vá descansar!

De modo algum estou sugerindo que os profissionais da área médica pensam como a mãe do meu colega. No entanto, devemos admitir que, de um modo geral, as pessoas – não só os profissionais de saúde – não gostam muito de se atualizarem. Vemos velhos presos ao passado, achando que ”no meu tempo é que tudo era bom”. Amantes da música dizendo que a música clássica acabou com Mozart e Beethoven, que a música brasileira acabou há setenta anos e o que se vê atualmente é só porcaria. Que a literatura brasileira depois de Machado de Assis não produziu nada que se preze, e por aí afora.

Mudar hábitos não é fácil. Vemos pessoas que há vinte anos tentam tomar café sem açúcar porque reconhecem o perigo que esta droga representa, mas raros são os dias em que são bem sucedidas. Outras levam dez anos para mudar o penteado.

Qualquer grande mudança é precedida por grandes movimentos contrários. A história é pródiga em exemplos de pessoas que foram perseguidas por defender ideias novas. Hoje essas ideias são aceitas por todos. Já foi o tempo em que se pensou que a Terra era plana e era o centro do universo; no entanto, muitos foram os perseguidos e mortos na época por dizerem o contrário.

Arthur Schopenhauer disse “Toda verdade atravessa três fases: primeiro, é ridicularizada; segundo, recebe violenta oposição; terceiro, é aceita como algo evidente”.

No caso que vimos analisando, acreditamos que essas fases todas têm ocorrido e que agora estamos alcançando a terceira fase. Daqui a pouco, todos vão dizer, dando sonoras gargalhadas: “Nossa Senhora! Olha o que se pensava antigamente! Tá na cara que as doenças cardiovasculares, o diabetes e outras doenças pouco têm a ver com o colesterol! Será que existe ainda alguém que não saiba que têm a ver principalmente com o açúcar?”

 

Lembro-me, quando estudante, da primeira vez que cheguei ao hospital. Não fui recebido por nenhum professor ou mesmo por algum colega mais graduado. Nada disso. Fui – e meus colegas – recebido por representantes de laboratórios que ficavam todos perto da porta de entrada do hospital. Largos sorrisos, muita simpatia, muito obsequiosos, chamando-nos de “doutores”. Eu não era nenhum doutor, mas, para os laboratórios farmacêuticos, eu já era. Como diz o ditado, “é de pequenino que se torce o pepino”. Não sabíamos diagnosticar nada, ainda, mas os representantes de laboratórios nos entregavam caixinhas de amostra grátis e diziam:

-Olhe, doutor, se o seu paciente tiver uma úlcera gástrica ou mesmo uma gastrite, o medicamento de escolha é este! Não tem melhor. – E vinha, a seguir, uma ligeira preleção sobre as virtudes do medicamento.

Não sabíamos diagnosticar nada, mas já sabíamos o nome do remédio.

E essa prática continuou durante todo o curso. E continua com esses representantes visitando todos os médicos. Muitas vezes, a “atualização” de muitos médicos vem de ouvir as “novas” desses representantes, ou de ler as bulas dos medicamentos das amostras grátis que eles lhes deixam.

É fato sabido que as indústrias farmacêuticas financiam revistas médicas, pesquisas, congressos e passagens de muitos médicos, cientistas e outros profissionais de saúde a esses congressos. A imprensa sempre noticia a simbiose entre profissionais de saúde e a indústria de equipamentos e de medicamentos. São fatos bastante divulgados para nos ocuparmos deles aqui, embora haja muitos que os neguem. Ou são tontos ou estão agindo de má-fé. Ambos merecem desconfiança de nossa parte.

 

Os fatores narrados acima seguramente têm o seu papel nas mudanças de atitude. Mas existe outro fator, igualmente importante.

Todos nós, de um modo geral, costumamos entregar o nosso poder a outrem. Sempre estamos procurando um guru a quem seguir. Esse guru é um verdadeiro camaleão: ora assume o disfarce de um político, ora de um líder religioso, ora de um artista; achamos que a salvação do mundo ou a orientação para vivermos melhor está nas mãos deles, e não nas nossas. No caso da medicina, existem os chamados “papas da medicina”: são aqueles cientistas que se destacam em algum ramo, adquirindo grande notoriedade. Desde que estejam de acordo com os cânones aceitos pela medicina oficial, acabam sendo reverenciados e tudo o que eles dizem tornam-se verdades absolutas. Disputam com o Papa a característica de serem infalíveis. Não sei se o Papa é infalível ou não, mas os fatos mostram que toda vez que um “papa da medicina” é tido como infalível, as consequências podem ser desastrosas. Como no caso que vimos comentando, cientistas contrários a certas ideias foram perseguidos, mesmo após mostrarem que muitos estudos foram manipulados e não conclusivos. O fato é que esses “papas da medicina” é que têm acesso aos meios de comunicação, são pagos para fazer conferências, seus livros são recebidos com grande estardalhaço. Passam a ser os pontos de referência em suas áreas, influenciando todos os demais médicos.

A maioria dos médicos dedica-se a atender pacientes com o instrumental que aprenderam durante o curso que fizeram. Esses cursos, como vimos, caminham ao lado das indústrias farmacêuticas. Sobra pouco tempo para os médicos se atualizarem, pois, frequentemente, teriam que ler revistas especializadas. Os trabalhos que são publicados nessas revistas muitas vezes são de difícil análise e assimilação pelo médico comum. É preciso entender que os médicos, antes de tudo, devem atender pacientes; não são cientistas. Cabe aos cientistas e alguns médicos que fogem desse padrão investigarem o que está acontecendo de diferente na ciência.

O fato é que, assim como na política, nas religiões, na ciência, formam-se verdadeiros rebanhos que tomam como verdade absoluta tudo que esses “papas de alguma coisa” dizem. Juntando-se aos outros fatores discutidos acima – e muitos outros, por certo – pode-se ter uma ideia elementar porque as mudanças são difíceis.

Vejo que nós, médicos, temos desempenhado, durante muito tempo, o papel de camelôs da indústria farmacêutica e de equipamentos, embora de boa-fé na maioria dos casos; o fato é que, com esses interesses ocultos por trás da medicina, milhões de pessoas têm sido prejudicadas no mundo inteiro.

Acredito que está na hora de uma Nova Medicina, voltada integralmente às reais necessidades das populações.

  • Bowder, J. e Sinatra, S. O mito do colesterol: por que a diminuição do seu colesterol não reduzirá o risco de doenças cardíacas. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2016.
  • El oncólogo Josep Baselga dimite como director médico del MSK de Nueva York por sus conflictos de interes com la industria farmacêutica. La Vanguardia, 14.9.2018.

Escrito por: NILTON TORNERO